Gosto de correr pelo pátio, entre os lençóis brancos perfumados pelo sabão, traz-me sempre à memória que tenho cinco anos e o mundo é meu, girando em torno de mim, sendo sol eu de uma pequena porção de galáxia. Na altura, nem sabia o que todas estas conjugações de letras poderiam querer dizer, mas sentia-me assim. E em todas as minhas conversas imaginarias não estava só, hoje estou... Inundo-me nesta sensação e evado-me dela, quando descalça nas manhãs de inverno corro por entre os lençóis do pátio, de camisa de dormir e robe, tudo voa, mesmo quando não há brisa nem vento. Voa-me a sede de ser alguém que não eu, sabe-me bem de novo o meu corpo, o meu eu. Não sou mais aquela que tudo vive, mas ninguém tem... Lembro-me das amizades de infância e o desassossego próprio de tal momento. Tudo é branco e o sol parece brilhar sempre. E tu pareces estar sentado na cadeira de plástico que compra-mos para poderes amar tanto estas manhãs quanto eu, estavas sempre tão calado, como se presenciasses algo novo todos os dias, eu girava e rodopiava, paciente esperavas que me cansasse e caísse de novo em teus braços firmes, no teu colo mais terno... Pela manhã. Os vizinhos saiam todos vestidos a rigor, como que se fosse preciso qualquer tipo de embuste para viver, qualquer tipo de aparência dita aceitável, eu gargalhava e tudo era claro, entristeciam-me os dias de chuva, não existiam lençóis nem corridas pelo pátio. Trancavas-me entre paredes e tecto. Sentia-me criança presa, desafortunada, já não sorria nem me sentia liberta de tudo o que me continuava a enjaular. Lembro-me de olhar a chuva contigo, sentados junto à janela, com a lareira e o café, fechava os olhos como se imaginasse, como se conseguisse fugir. Acho que sempre te quis fugir, enquanto te tive a meu lado. Um dia eu corri no pátio e tu ficaste à porta a olhar-me, os vizinhos saíram de suas casas, mas estranharam-me, como se fosse a primeira vez. Parei, ali bem no centro e olhei-os, um a um, pareciam tomar-me como insana, o dia nasceu cinzento e eu já não corria no pátio, mas sim para dentro de casa, tu já não sorriste e eu já não estava feliz. Fiquei-me pela mesa de formica da cozinha, a sentir o branco sim dos cigarros entre os dedos. Gritos e discussões, eramos um casal banal, perdemos o brilho e a rebeldia, eu só perdi a luz para teus olhos, tornei-me baça, sem que merecesse uma tomada de vistas. A câmera ficou na mesinha de cabeceira, depois passou para a gaveta. Era uma vez uma câmera cheia de pó, sem uso, esquecida. Já não a queria, o mundo tinha perdido densidade, era transparência fechada nos meus olhos, irreal de cinzento e negro. Tinha perdido os brancos. Enquanto, que os teus se acentuavam. Tornamo-nos rotineiros, um casal que seguia as normas, o sexo era quase que por aviso, roubaste-me a espontaneadade, decidiste ficar sentado, perdido na tua criatividade, enquanto anulavas a minha, com a força que desejavas, com a intensidade mais forte que senti de ti. Já não havia tempo a perder com beijos, nem abraços, nem carinhos, nem toque... Para quê tocar? Um dia foste e nunca mais voltaste, eu sabia que ias, dias e dias a empacotares coisas que te eram tão privadas e intimas, para arrumares num estúdio que nunca conheci, quando saíste com os caixotes de roupa, dizendo-me uma mentira qualquer, eu sabia, mas foi-me mais suave deixar-te ir, sem perguntas nem ultimatos. Nunca mais voltaste. E eu voltei a correr pelo pátio, principalmente nos dias de chuva. E a cadeira nunca mais se moveu, nem eu fiquei cansada ao ponto de me sentar nela.
1 comment:
Gosto de correr pelo pátio, entre os lençóis brancos perfumados pelo sabão, traz-me sempre à memória que tenho cinco anos e o mundo é meu, girando em torno de mim, sendo sol eu de uma pequena porção de galáxia. Na altura, nem sabia o que todas estas conjugações de letras poderiam querer dizer, mas sentia-me assim. E em todas as minhas conversas imaginarias não estava só, hoje estou... Inundo-me nesta sensação e evado-me dela, quando descalça nas manhãs de inverno corro por entre os lençóis do pátio, de camisa de dormir e robe, tudo voa, mesmo quando não há brisa nem vento. Voa-me a sede de ser alguém que não eu, sabe-me bem de novo o meu corpo, o meu eu. Não sou mais aquela que tudo vive, mas ninguém tem... Lembro-me das amizades de infância e o desassossego próprio de tal momento. Tudo é branco e o sol parece brilhar sempre. E tu pareces estar sentado na cadeira de plástico que compra-mos para poderes amar tanto estas manhãs quanto eu, estavas sempre tão calado, como se presenciasses algo novo todos os dias, eu girava e rodopiava, paciente esperavas que me cansasse e caísse de novo em teus braços firmes, no teu colo mais terno... Pela manhã. Os vizinhos saiam todos vestidos a rigor, como que se fosse preciso qualquer tipo de embuste para viver, qualquer tipo de aparência dita aceitável, eu gargalhava e tudo era claro, entristeciam-me os dias de chuva, não existiam lençóis nem corridas pelo pátio. Trancavas-me entre paredes e tecto. Sentia-me criança presa, desafortunada, já não sorria nem me sentia liberta de tudo o que me continuava a enjaular. Lembro-me de olhar a chuva contigo, sentados junto à janela, com a lareira e o café, fechava os olhos como se imaginasse, como se conseguisse fugir. Acho que sempre te quis fugir, enquanto te tive a meu lado. Um dia eu corri no pátio e tu ficaste à porta a olhar-me, os vizinhos saíram de suas casas, mas estranharam-me, como se fosse a primeira vez. Parei, ali bem no centro e olhei-os, um a um, pareciam tomar-me como insana, o dia nasceu cinzento e eu já não corria no pátio, mas sim para dentro de casa, tu já não sorriste e eu já não estava feliz. Fiquei-me pela mesa de formica da cozinha, a sentir o branco sim dos cigarros entre os dedos. Gritos e discussões, eramos um casal banal, perdemos o brilho e a rebeldia, eu só perdi a luz para teus olhos, tornei-me baça, sem que merecesse uma tomada de vistas. A câmera ficou na mesinha de cabeceira, depois passou para a gaveta. Era uma vez uma câmera cheia de pó, sem uso, esquecida. Já não a queria, o mundo tinha perdido densidade, era transparência fechada nos meus olhos, irreal de cinzento e negro. Tinha perdido os brancos. Enquanto, que os teus se acentuavam. Tornamo-nos rotineiros, um casal que seguia as normas, o sexo era quase que por aviso, roubaste-me a espontaneadade, decidiste ficar sentado, perdido na tua criatividade, enquanto anulavas a minha, com a força que desejavas, com a intensidade mais forte que senti de ti. Já não havia tempo a perder com beijos, nem abraços, nem carinhos, nem toque... Para quê tocar? Um dia foste e nunca mais voltaste, eu sabia que ias, dias e dias a empacotares coisas que te eram tão privadas e intimas, para arrumares num estúdio que nunca conheci, quando saíste com os caixotes de roupa, dizendo-me uma mentira qualquer, eu sabia, mas foi-me mais suave deixar-te ir, sem perguntas nem ultimatos. Nunca mais voltaste. E eu voltei a correr pelo pátio, principalmente nos dias de chuva. E a cadeira nunca mais se moveu, nem eu fiquei cansada ao ponto de me sentar nela.
Post a Comment